Artigo escrito em colaboração com Florence Poznanski, Diretor do Escritório do Internet Sem Fronteiras – Brasil
Internet Sem Fronteiras foi uma das organizações da sociedade civil que foi selecionada para participar entre os dias 3 e 7 de abril, da nona edição da Escola Latino-Americana de Governança da Internet (SSIG). O evento contribui para formar a cada ano uma centena de líderes latino-americanos oriundos das instituições públicas, empresas, universidades e sociedade civil.
A Fundação Getúlio Vargas sediou a Escola esse ano que foi co-organizada pelo Centro de Technologia e sociedade (CTS/FGV) e o Centro de Capacitación en Alta Tecnología (CCAT – LAT) da Argentina com o apoio dos principais atores mundiais da Internet UIT (União International das telecomunicações), ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), ISOC (internet Society), LACNIC (Latin American and Caribbean Network Information Centre), Google, Microsoft, Facebook, etc.
Os espaços da governança da Internet entre interesse público e interesses privados
O seminário, que ocorre cada ano em um país americano diferente, tinha o objetivo de pautar a diversidade dos desafios contemporâneos e futuros da Internet segundo uma perspectiva multisectorial colocando os pontos de vista dos diversos atores em balança. Um amplo espaço foi dado à descrição histórica da construção mundial da governança desde o inicio da Internet e dos diversos atores como a UIT, agência especializada para o desenvolvimento das telecomunicações ligada às Nações Unidas, ou a ICANN que regula mundialmente os nomes de domínio e os principais espaços onde a governança acontece como o IGF (Internet Governance Forum). Instituído durante a cúpula de Tunis em 2005, ele acontece desde então anualmente após suas etapas regionais (na América Latina o LacIGF).Para Florence Poznanski, cientista politica e diretora da Internet Sem Fronteiras – Brasil, que representava a ONG durante o seminário :
« não basta reunir uma diversidade de atores em torno de uma mesa para realizar uma boa governança se as capacidades de influência dos mesmos são desiguais. A expansão da Internet convergiu a partir dos anos 90 com o desenvolvimento do neoliberalismo e a progressiva desregulamentação das instituições públicas. Nesse sentido, o mundo da Internet é controlado hoje majoritariamente pelo setor privado, deixando aos Estados o papel de regulador ao nível nacional (mais ou menos fortes segundo os casos) sem existência de instâncias públicas de regulação soberanas ao nível mundial. Assim, a participação dos cidadãos limita-se ao papel do usuário, do consumidor e não de representante do interesse público. O próprio interesse público vem sendo disputado pelo interesse privado das multinacionais de telecomunicação que tem hoje um poder econômico e político superior a vários Estados o que nos faz prever um enfraquecimento dos espaços democráticos e deliberativos no mundo. Avanços democráticos no âmbito da governança da Internet são fundamentais para preservação do interesse coletivo no mundo ».
Acesso, neutralidade e privacidade
Os desafios existentes no âmbito dessa governança são múltiplos. O acesso à Internet foi um deles, enquanto a metade dos latino-americanos continuam desconectados e a expansão do mercado parece estagnar progressivamente uma vez que os territórios mais rentáveis já foram conectados deixando de lado as zonas rurais e periféricas que não são competitivas, como lembram Gustavo Gindre (Intervozes) e Peter Knight (Instituto Fernand Brodel). Nesse contexto o desenvolvimento das redes comunitárias autônomas e a busca de soluções econômicas inovadoras para estimular o mercado são fundamentais.
Com a dificuldade de alcançar a universalização do acesso, os desafios da neutralidade se tornam centrais para mitigar a expansão das práticas de zero-rating que priorizam um acesso exclusivo e gratuito a certos serviços desrespeitando o principio fundamental da neutralidade e não discriminação do trafico de dados. Para Luca Belli (CTS/FGV), essa ameaça pode causar uma « minitelização » da rede Internet limitando-a à mera utilização de plataformas oferecidas pelos provedores de serviço mais potentes e limitando a difusão de novos conteúdos e serviços inovadores. Flavia Lefèvre do CGI (Comité gestor da Internet) lembra que a ameaça é real na medida em que, 82% dos brasileiros da classe D e E acessam Internet graça à planos zero-rating, segundo recente pesquisa do CGI (CETIC).
O tema da utilização massiva de dados pessoais também permanece um tema central para construção de normas internacionais de proteção. Enquanto são introduzidos no mercado uma multiplicidade de objetos conectados (Internet of the things) e se desenvolve o conceito de cidades inteligentes (smart cities) as consequências éticas para gestão e proteção de dados podem tornar-se dramáticas sem um robusto quadro legislativo ao nível nacional e mundial e uma efetiva fiscalização dos abusos. Temas como o direito ao esquecimento, ou seja à desindexação de certas informações pessoais na web, foram debatidos. Assim como o caráter controverso das práticas de prevenção de crimes a partir do cruzamento de dados é questionável de acordo com os princípios jurídicos de presunção de inocência.
Outros temas também foram tratados com a democratização do acesso ao saber, a evolução do direito autoral e da propriedade intelectual na era digital, a controvérsia jurídica em torno dos termos de uso das plataformas numéricas de serviços na maioria das vezes antiéticas e infringindo os direitos humanos e dos consumidores, os perigos da utilização expandida e não fiscalizável dos algoritmos na organização das informações a formulação das decisões, as moedas digitais como o BitCoin, ou ainda a economia digital.
O seminário focado sobre o continente Latino-Americano também foi prestigiado por convidados oriundos de outras partes do mundo como Helen Eenmaa-Dimitrieva, da Universidade de Tartu (Estônia), que apresentou a experiência do governo online da Estônia ou Jenniffer Chung, representando o nome de domínio .ASIA para ilustrar a dimensão multicultural da internet do futuro.
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Tags: Acesso a Internet, America Latina, Argentina, Brazil, Governança da Internet, IGF, Neutralidade, Privacidade